No caso da tuberculose, que lá pelos idos do século XIX era considerada a moléstia dos românticos, a inspiração artística foi bastante fecunda. Mas, durante a conversa com Grisel, não foi a poesia romântica que me veio à cabeça, e sim a do nosso querido Manuel Bandeira (1886-1968) com o seu célebre Pneumotórax, que falava no final do texto em "tocar o tango argentino" como única forma de conviver com a tuberculose. Pimba! Foi aí que entendi a conotação no poema. Sorri de satisfação, com alegria nos olhos.
O poeta Bandeira teve tuberculose aos 18 anos, tendo vivido até os 82 |
Pneumotórax Febre, hemoptise, dispnéia e suores noturnos. A vida inteira que podia ter sido e que não foi. Tosse, tosse, tosse. Mandou chamar o médico: - Diga trinta e três. - Trinta e três... trinta e três... trinta e três... - Respire. - O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado. - Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax? - Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino. [Poema de Manuel Bandeira publicado em Libertinagem, de 1930, seu quarto livro de poemas e o primeiro inteiramente modernista] |
Bandeira descobriu-se tuberculoso (sem qualquer estigma com o uso do qualificativo, por favor, os politicamente corretos de plantão!) aos 18 anos de idade. Era um diagnóstico praticamente fatal na época. Embora tenha sido desenganado pelos médicos levando-o à longa espera da morte, ele só veio a falecer aos 82 anos, contrariando a tudo e a todos. Felicidade a nossa, a dos brasileiros, que tivemos a possibilidade de conviver com este modernista e de ler tão belos poemas dele, revelando que, mesmo no sofrimento, é possível criar inúmeras belezas, ainda mais quando se tem sensibilidade para tanto.
Como viu que eu adorei saber mais sobre tuberculose e tangos, Grisel me indicou um artigo muito interessante do historiador argentino Diego Armus publicado na revista Asclepio, que compartilho com vocês indicando o link do texto na revista:
http://asclepio.revistas.csic.es/index.php/asclepio/article/view/140/137
Para quem quiser ler mais sobre tuberculose, saúde e cultura na Argentina, indico também o artigo dos pesquisadores da UERJ Luiz Antonio de Castro Santos e Lina Faria, disponível na base Scielo e que encontrei há pouco nas minhas buscas pela internet:
http://www.scielo.br/pdf/hcsm/v17n3/15.pdf
Bom, outra opção menos "patológico-histórica" é ler os poemas do Bandeira. Meio pernambucano (de nascença) meio carioca (de adoção), ele tem centenas de maravilhosos poemas e crônicas que revelam o seu modo de ver a vida, sendo na maioria das vezes terno e simples na maneira de dizer as coisas. Como este por exemplo:
"Assim eu quereria meu último poema
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação."
[Manuel Bandeira em O último poema, extraído do livro Manuel Bandeira: 50 poemas escolhidos pelo autor, da Editora Cosac Naify, São Paulo, 2006, pág. 35.]
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação."
[Manuel Bandeira em O último poema, extraído do livro Manuel Bandeira: 50 poemas escolhidos pelo autor, da Editora Cosac Naify, São Paulo, 2006, pág. 35.]