sexta-feira, 17 de junho de 2011

A epidemiologia e o poder dos números

Desde que comecei a atuar na área da saúde, tive, de cara, uma identificação muito grande com a epidemiologia. Por estudar a distribuição da saúde-doença nas populações ou em grupos de pessoas, esse campo de estudo traz consigo um saber que é muito caro: o de determinar os fatores que condicionam e determinam a ocorrência dos fenômenos nas coletividades. Sempre me interessei por conhecer mais sobre o funcionamento das sociedades, sendo na saúde então o aprofundamento analítico tende a ser cada vez maior, pela quantidade de indicadores e outros dados que quantificam os riscos.


Aos profissionais da mídia, o saber da epidemiologia é um prato cheio. Foi para mim durante um bom tempo em que trabalhei em jornal e, posteriormente, em assessoria de imprensa. Os números reinam absolutos, uma vez que concretizam para as pessoas - nós, reles mortais,- a real situação dos problemas e agravos de saúde. Na produção da notícia, os números ainda ajudam a construir as manchetes das matérias, algo extremamente interessante para o discurso jornalístico. A gripe A(H1N1), a popular suína, e a contaminação pela dita "superbactéria" Escherichia coli são dois exemplos recentes do uso dos dados epidemiológicos por parte da mídia.


Ainda quando cursava o mestrado, fui procurar saber mais sobre a epidemiologia, até porque o meu projeto teve o intuito de refletir sobre o discurso da dengue na mídia. Nesse sentido, os registros da doença tinham suma importância para mim na construção dos sentidos. Aí, lendo um pouco sobre a constituição da epidemiologia, descobri um aspecto que muito me agradou: esta ciência tinha parentesco com a comunicação. Apesar das diferenças existentes, ambas fazem parte das ciências sociais, com o diferencial de a epidemiologia ainda ser constituída pela estatística e a medicina clínica. No caso da epidemiologia, as ciências sociais ajudam a analisar as questões da saúde pública no âmbito das coletividades, os aspectos sociais do mundo humano, como diz o nosso Wikipédia, tão caro "companheiro" de pesquisa nos dias de hoje.


Saúde-doença é o foco de estudo da epidemiologia

Esta semana, ao me preparar para um seminário sobre epidemiologia e risco no PPGICS/Fiocruz, dentro dos trabalhos previstos para o doutorado, comecei a refletir um pouco mais sobre o poder dos números para a epidemiologia a partir de uma certa "matematização" na leitura dos eventos da saúde. É inegável a contribuição dessa ciência para a sociedade por buscar compreender as condições de saúde das populações, dando subsídios consequentemente para se prevenir a ocorrência de doenças e se promover a saúde. No entanto, os cálculos construídos pela área ao longo do tempo assumiram uma super importância, deixando de lado as questões socioculturais. Não é por menos que se critica atualmente uma certa distância assumida pela epidemiologia em relação às questões sociais, defendendo uma reaproximação na avaliação da saúde.


Leio essa "matemática" da vida em que vivemos como algo intrínseco do contexto contemporâneo. À medida que progredimos, temos a necessidade de regular o mundo, controlá-lo, na tentativa de reduzir as incertezas e garantir a tão sonhada segurança total. Segundo Grácia Gondim, no livro "O território e o processo saúde-doença", uma das fontes de risco e insegurança nas sociedades pré-modernas estava nos fatos do mundo físico. "Porém, com o advento da modernidade e com a proliferação dos sistemas peritos [sistemas que buscam regular a vida social por meio de estratégias que têm como parâmetro o cálculo probabilístico do risco, orientando assim a vida social], os riscos tendem a ocorrer justamente pela busca de controle e segurança", afirma a autora.

Riscos crescem à medida que o homem busca controlar o mundo

A grande "novidade" é que o controle não será possível jamais. Por mais que o homem queira e busque formas de intervir sobre os riscos que ele mesmo construiu e sistematizou ao longo do tempo e do espaço, a vida sempre será aberta ao acaso e aos imprevistos que a vida nos prega vez por outra. Por isso mesmo, no final deste post, rio com uma ponta de satisfação e ironia, lembrando-me de um trechinho da sábia canção "Da lama ao caos", do Chico Science, que retrata bem a postura do homem diante deste "mundo de Deus":

Que eu me organizando posso desorganizar
Que eu desorganizando posso me organizar
Que eu me desorganizando posso me organizar
[Da lama ao caos, canção composta por Chico Science e gravada no CD de mesmo nome pela gravadora Chaos/Sony Music (1994)] 

E assim vamos nos organizando, desorganizando, desorganizando, organizando...