sexta-feira, 30 de março de 2012

Perspectivas temporais para a doença

As doenças representam uma experiência privada e pública, ao mesmo tempo, por afetar o organismo do indivíduo, bem como a sociedade como um todo. A dimensão biológica, base da biomedicina, torna-se então insuficiente para compreender o significado da moléstia, sendo necessária também uma reflexão sobre a dimensão sociocultural, igualmente importante para o entendimento do que vem a ser doença. O campo jornalístico, arena à qual eu faço parte e me interesso em estudar, integra essa segunda dimensão, produzindo sentidos. Embora não seja a única instância, a mídia é sempre importante de ser considerada nos estudos sobre saúde.

Essa importância não vem de hoje. Há décadas, o poder público se vale dos meios de comunicação para divulgar as suas ações. A criação do Serviço de Propaganda e Educação Sanitária, em 1923, dentro do Departamento Nacional de Saúde Pública (o equivalente hoje ao Ministério da Saúde), é um exemplo dessa preocupação governamental quase secular em comunicar suas iniciativas para a população num espírito de "pedagogia civilizatória", segundo analisa a cientista social Janine Cardoso, numa entrevista à Revista Radis em dezembro de 2010 (http://www.ensp.fiocruz.br/radis/revista-radis/100/reportagens/entrevista-janine-cardoso-%E2%80%9Cnovo-campo-tem-marca-do-processo-da-reforma) e no livro Comunicação e Saúde, escrito em parceria com a professora Inesita Soares de Araújo.

Nas últimas décadas, os meios de comunicação vêm adquirindo uma importância cada vez maior na produção de sentidos, contribuindo para tornar a doença uma experiência cada vez mais pública e para dar "vida" aos acontecimentos do passado e do presente, alçando-os à condição de históricos, como diz a pesquisadora Ana Paula Goulart Ribeiro, comunicóloga e historiadora de formação. Dos anos 80 para cá, enfermidades como a Aids, a dengue e a gripe A(H1N1) ganharam uma expressão forte nos media, tornando-se notícia.

Pensando no processo de agendamento, a mídia atuaria na seleção sob dois aspectos: tanto na escolha dos assuntos a serem publicizados quanto no enquadramento desses assuntos selecionados. Para falar sobre determinado tema, não seria possível falar de qualquer jeito, mas de determinado jeito, salientando alguns elementos específicos  na interpretação dos acontecimentos. Do ponto de vista imagético, por exemplo, a ideia que se tinha da Aids era dos doentes com condição física fragilizada, caminhando em direção à morte. Já com relação à gripe suína, a principal imagem que vem às nossas mentes através da imprensa são as pessoas usando máscara para evitar a contaminação pelo vírus.


A imagem dos doentes com máscaras foi bastante vista na pandemia da gripe A(H1N1)

A saliência conferida a determinados elementos de um assunto no trabalho jornalístico está presente na Análise do Discurso, já que os acontecimentos são enunciados a partir de um determinado viés. O jogo existente na definição dos diferentes enquadramentos das enfermidade revela como esses moldes são utilizados para interpretar a realidade, sendo importante para construção de uma concepção de doença, bem como para entendermos as estratégias adotadas pelos veículos de comunicação.