Reduzido ao tamanho de um inseto, Charlie conhece de perto o perigo das moscas, mosquitos e pulgas, bastante comuns em sua casa e causadores, respectivamente, da disenteria, da malária e do tifo. Sem cuidado com a limpeza da sua residência e a própria higiene pessoal, Charlie é visto como um cara boa-praça que recebe bem todos os visitantes que vão à sua casa, "até os porcos e as galinhas", conforme diz o narrador do filme, em tom de ironia. Já os insetos, alçados à condição de "piores inimigos", são responsáveis por provocar mortes. Nesse sentido, a história do Charlie é emblemática para mostrar de forma um tanto maniqueísta os insetos como "monstros" perigosos capazes de verdadeiras barbaridades, sendo a principal delas transportar os micróbios causadores das moléstias.
Esta semana, ao pesquisar na internet mais informações sobre o filme, constatei que Insects... faz parte de uma série criada por Walt Disney sob o título de Health for the Americas (em inglês, Saúde para as Américas). Essa série foi encomendada pela extinta Agência de Negócios Interamericanos, um serviço governamental dos Estados Unidos que promovia nos anos 40 a cooperação interamericana, principalmente nas áreas comercial e econômica. A proposta do projeto era simples: apresentar problemas de saúde comuns nos países em desenvolvimento da América do Sul e as respectivas soluções que poderiam ser adotadas pelas pessoas para combater esses problemas.
Série apresenta problemas de saúde dos países latino-americanos |
Apesar de já ter quase 70 anos, o filme guarda uma atualidade se compararmos ao discurso midiático sobre doenças, sobretudo as infecciosas. O caso da dengue é exemplar para mostrar como o mosquito Aedes aegypti é convertido nas narrativas como o "vilão", inclusive nas estratégias de combate divulgadas pelo poder público através da imprensa nas quais o inseto costuma ser o foco. As epidemias cíclicas registradas no Brasil seriam o ponto de contato entre o ontem e o hoje na produção de sentidos: as epidemias carregando consigo a noção de "mal" sanitário, que potencialmente espalha a doença e o medo entre os cidadãos, e o mosquito, apesar de minúsculo, sendo considerado o grande responsável pela situação, por ser visível e mais fácil de combater no âmbito individual.
Bom, puxar o fio do novelo da memória das enfermidades traz à tona diversas questões pertinentes ao presente que demandam outro(s) post(s), algo que, com certeza, ocorrerá. Neste momento, o mais interessante é assistir ao Insects as Carriers of Disease. Para quem trabalha com saúde pública, especialmente nas áreas de vigilância ambiental e epidemiologia, o conteúdo do filme poderá suscitar algumas reflexões que gostaria de poder compartilhar posteriormente. Afinal, aproveitando o título de um dos livros da professora de Psicologia Social da USP Ecléa Bosi, "o tempo vivo da memória" diz muito sobre a nossa vida e a nossa história, devolvendo-nos o que o passado percebeu e o presente costuma esquecer. Felizmente, existem os homens e as narrativas para poderem lembrar! Se recordar é viver, como diz a canção popular, assistamos então:
Insects as Carriers of Disease (versão em espanhol)
Filme criado pela Walt Disney Productions em 1994 dentro da série Health for the Americas, sob encomenda da Agência de Negócios Interamericana dos EUA
PS: A título de curiosidade e conhecimento, na versão disponível no YouTube em espanhol, o nome do personagem principal do filme é modificado para "John". Entretanto, quem acessar o link do Google Videos (http://video.google.com/videoplay?docid=641174200516837622#) verá que, na versão em inglês, o personagem chama-se originalmente "Charlie", como eu havia dito. Além disso, o narrador não é irônico, como na versão em espanhol, algo importante de ser percebido por modificar o tom do desenho.