Cartaz do filme A hora da estrela, de 1985 |
Sempre gostei de A hora da cidade desde que ouvi pela primeira vez na voz de Adriana Calcanhoto, já nos idos dos anos de 1990. Na época, nem sabia que a canção era inspirada na obra de Clarice. Somente há pouco tempo, descobri isso e passei a gostar ainda mais da música porque curto a escritora, o livro, o compositor baiano, a canção inspirada, a compositora gaúcha e a segunda versão. Hoje, morando no Rio, identifico-me um pouco com Macabéa. Mais do que nunca, contemplo e "assunto" a Cidade Maravilhosa com um olhar e atenção de sertanejo que nunca fui realmente, embora isso esteja no meu sangue (já que sou nordestino e a família do meu pai é de Floresta, cidade do sertão pernambucano). Um pouco como Macabéa e as demais pessoas que aqui chegam ao Rio e se veem diante de um lugar tão belo, atraente, parecido e, ao mesmo tempo, tão diferente, diverso e, por vezes, feio, a exemplo dos nordestinos e dos próprios gaúchos, como Adriana.
Dependendo do gosto musical do freguês, posto dois links possíveis de O nome da cidade. A versão primeira, de 1984, mais agreste, com Bethânia, e a outra com Adriana Calcanhoto, de 1992, mais delicada - e a que prefiro, diga-se de passagem, pois só o violão e a voz dela bastam para dizer tudo o que a canção quer dizer:
Cheguei ao nome da cidade
Não à cidade mesma, espessa
Rio que não é rio: imagens
Essa cidade me atravessa
[Caetano Veloso em O Nome da Cidade, gravada primeiramente pela baiana Maria Bethania em 1984 no LP "A beira e o mar" (gravadora Polygram/Universal Music) e posteriormente pela gaúcha Adriana Calcanhoto no seu segundo disco, "Senhas", de 1992 (gravadora Columbia/Sony Music)]
[Caetano Veloso em O Nome da Cidade, gravada primeiramente pela baiana Maria Bethania em 1984 no LP "A beira e o mar" (gravadora Polygram/Universal Music) e posteriormente pela gaúcha Adriana Calcanhoto no seu segundo disco, "Senhas", de 1992 (gravadora Columbia/Sony Music)]
O trecho citado acima é o que mais me pega fundo nos dias de hoje. O Rio de Janeiro me atravessa a alma, cortando o outro Rio, em tudo de bom e ruim que isso pode ter.
Macabéa vê a vida como uma coisa que apenas é porque é: já que sou, o jeito é ser. Ela não se questiona, sua existência é apenas ser, como um cachorro é cachorro sem o saber. Raquítica, sem vocação, sem sonhos e sem objetivos, acredita mesmo ter sido "soprada" no mundo - como quando um cisco é soprado do olho. Tola, solitária, doce e obediente, alimenta a lembrança de uma infância triste e uma saudade do que poderia ter sido e não foi. Seu único luxo é o cinema uma vez por mês e sua única paixão é "goiabada com queijo". A única fantasia que ela se permite é ser uma estrela de cinema. Gosta de acordar bem cedo aos domingos para ficar mais tempo sem fazer nada. No cais do porto sente o coração apertar ao chamado do navio. Não sabe o motivo, nem isso importa, apenas experimenta um raro momento de conforto em sua vida sem relevo, que só brilhará na hora da morte: seu único momento de verdade, decretado por um carro que a atropela e a transforma em estrela. Finalmente, protagonista de sua própria morte, ela "é":
"Hoje é o primeiro dia de minha vida: nasci."
FONTE: Wikipédia, a enciclopédia livre (http://pt.wikipedia.org/wiki/Macab%C3%A9a)