sexta-feira, 22 de junho de 2012

No meio das urdiduras

Urdidura é um termo próprio à costura. Ele se refere aos fios estendidos longitudinalmente em um tear e através dos quais é lançada a trama. Também diz respeito à tramoia, maquinação, enredo e entrelaçamento. Neste post, a urdidura tem todos esses sentidos e outros mais, levando-se em conta os resultados do seminário Comunicação, Informação e Cidadania: Tecendo Saberes na Saúde. Organizado pela minha turma de doutorandos do PPGICS e realizado nos últimos dias 14 e 15 de junho no ICICT-Fiocruz, no Rio de Janeiro, o evento superou as expectativas, a começar pela proposta idealizada.

Inicialmente, pretendia-se apenas reunir conceitos caros aos projetos de pesquisa em desenvolvimento por mim e meus companheiros do curso em mesas temáticas. Só que o trabalho em conjunto e o compromisso de querer fazer o melhor acabou reverberando positivamente no evento. A urdidura das palestras e, sobretudo, das discussões levantadas a partir das falas dos convidados gerou um tecido de saberes com cores e formas interessantes de se ver e ouvir. Em parte, essa trama foi decorrente dos palestrantes.


Papel da biomedicina na construção social de saúde e doença foi discutido no evento


Sem uma articulação prévia entre eles, todos os pesquisadores convidados souberam dialogar com os  temas propostos e ainda lançar indiretamente reflexões para temáticas dos outros participantes de forma bastante positiva. As mesas tinham como eixo geral de discussão o papel da biomedicina na construção social sobre saúde e doença, as contribuições da comunicação e da informação em saúde para consolidação da cidadania e a qualidade da informação e a informação para qualidade em saúde.

Seis palestras foram realizadas nos dois dias. Nelas, foram abordados:

  • a construção social das doenças: o caso da doença de Chagas e seu enquadramento pela medicina tropical (Simone Petraglia Kropf - COC-Fiocruz);
  • o movimento médico-sanitarista e a difusão da ideologia da maternidade científica no início do século XX (Maria Martha de Luna Freire - UFF);
  • o governo eletrônico e sua contribuição para a saúde como direito à cidadania (Ricardo Ismael de Carvalho - PUC-Rio);
  • as contribuições da comunicação e informação em saúde para cidadania (Suzy dos Santos - ECO-UFRJ);
  • decisões de saúde baseadas em evidências: qual o papel da informação científica nesse processo (Maria Cristiane Barbosa Galvão - USP)
  • a informação com perspectiva em qualidade em saúde (Ilara Hämmerli Sozzi de Moraes - ENSP-Fiocruz). 

Há que se ressaltar o papel dos debatedores no evento. Cada professor que participou das mesas soube tirar proveito das falas, fomentando as discussões que desejávamos. Para o público que esteve presente e para nós, doutorandos, evidentemente, isso foi muito bom porque gerou questionamentos, provocações e análises. No meu caso, pude repensar o projeto de pesquisa em vários aspectos, a começar pelo conceito de doença. 


Cidadania e qualidade da informação foram foco de discussão em outras duas mesas


Sabendo que a doença significa uma forma de representação da sociedade, e não apenas um fenômeno biológico que se manifesta no organismo de um indivíduo, o conceito de framing, abordado no seminário sob a ótica da História da Medicina, pode ser interessante de ser aprofundado. Em linhas gerais, framing é considerado o produto de um ato de enquadramento pelos sujeitos em determinadas circunstâncias históricas e sociais. Assim, o significado de uma enfermidade não seria apenas decorrente do campo biomédico, mas também consequência de um processo de lutas e negociações ocorridas no seio social.

Além disso, outros pontos levantados no seminário foram extremamente importantes. Entre eles, o papel dos meios de comunicação como retroalimentadores de normas biomédicas, a importância dos estudos científicos na produção de "verdades" e a consciência de que nem as informações com qualidade muito menos as evidências de pesquisa são neutras. Aliás, como nada na vida é totalmente neutro, por mais que possa parecer.

No fim das contas, acredito que conseguimos transformar os fios num pano bacana e contribuir, de alguma maneira, para o campo da comunicação e da informação em saúde. Evidentemente, não foi uma contribuição de grande vulto. Mas, a nosso modo, pudemos incentivar a indagação entre as pessoas, seja para a prática de pesquisa, seja para prática da própria vida mesmo. Pois, aproveitando a fala da professora Ilara, que fechou o ciclo das palestras com uma citação do escritor português José Saramago (1922-2010):


"A prioridade absoluta tem de ser o SER HUMANO. Acima dessa, não reconheço nenhum outra prioridade."