sexta-feira, 30 de setembro de 2011

No tempo em que...

Vez por outra, sempre me vem à cabeça o verbo "parecer" como constitutivo da nossa sociedade, especialmente se pensarmos no fenômeno da medicalização. Já disse a médica e historiadora das ciências francesa Anne Marie Moulin: "O exibicionismo da doença não é mais admissível, reduzido pelo ideal de decência. O corpo é o lugar onde a pessoa deve esforçar-se para parecer que vai bem de saúde”.

É justamente nesse “parecer” que a medicalização se insere como um fenômeno intrínseco à contemporaneidade. A partir do momento em que a saúde se torna mais um “dever” que um “direito” de estar bem, o consumo de medicamentos e a normatização do cuidado com a saúde caracterizam-se como aspectos da medicalização, que não só faz dos remédios artigos de necessidade básica do homem, mas também cria padrões “saudáveis” em prol de uma vida teoricamente “livre” dos riscos que tanto afligem o ser humano.

Bem, não quero escrever muito esta semana. Medicalização terá um post à parte. Por ora, trago uma canção do mestre Gilberto Gil que fala de um assunto aparentemente sem sentido, mas que, a meu ver, tem total sentido com o que escrevo: a aceitação calma e tranquila da morte. Nada mais simples e difícil ao mesmo tempo para uma sociedade que deseja cada vez mais e a todo custo a vida eterna. Sem querer parecer mórbido, eu os convido a escutar a canção composta pelo Gil em meados da década de 70 e a buscar refletir sobre a beleza dos versos no contexto da saúde-doença, sabendo que a morte é algo que também faz parte da vida. Então, que saibamos amar a morte na mesma medida em que buscamos amar a vida, sem parecer absolutamente nada. Apenas ser e estar...


Se a morte faz parte da vida
E se vale a pena viver
Então morrer vale a pena
Se a gente teve o tempo para crescer

Crescer para viver de fato
O ato de amar e sofrer
Se a gente teve esse tempo
Então vale a pena morrer
[Então vale a pena, música composta por Gilberto Gil e gravada pela cantora Simone em 1978 no seu LP "Cigarra" (gravadora EMI-Odeon)]