sexta-feira, 4 de maio de 2012

Millôr e suas ironias com o passado

A memória é realmente um assunto vasto e super interessante, ainda mais quando tem a ver com a questão do discurso. Segundo o linguista francês Michel Pêcheux (1938-1983), a memória discursiva se insere em práticas sociais e se caracteriza pelo fato de um já-dito sustentar as relações de sentido entre os discursos. Um espaço móvel de deslocamentos, retomadas e conflitos de regularização da materialidade discursiva. Dessa maneira, a memória seria sempre perturbada a cada acontecimento discursivo novo, desmanchando a regularização existente e fazendo surgir um novo sistema entre elementos novos e antigos.

Em termos de ironia, a memória costuma estar sempre presente para subverter a paráfrase feita. A ideia é justamente retomar palavras já ditas há pouco ou há muito tempo para redizer o contrário ou completamente diferente do sentido primeiro. Comecei a pensar nisso recentemente, depois de tomar contato com os trabalhos produzidos pelo humorista e jornalista carioca Millôr Fernandes (1923-2012) para a revista Veja na primeira metade dos anos 70. Um deles é este abaixo, datado de 14 novembro de 1973:


Produção do humorista Millôr Fernandes publicada na edição de 14 de novembro de 1973 de Veja 

No exemplo acima, é possível observar não só o humor peculiar do Millôr de criticar as coisas como também o sentido implícito no passado. Semanticamente, o termo "pré-histórico" nos remete a um período anterior aos documentos escritos; um tempo findo bastante longínquo de se imaginar, sobretudo quando os seres representados eram animais hoje extintos. Porém, o que poderia parecer estritamente negativo - afinal o passado sempre é visto como algo velho e ultrapassado - acaba tomando um sentido cômico. Mesmo assim, para que a noção ressignificada faça sentido em nós, é preciso que tenhamos em mente o significado original. Caso contrário, o sarcasmo não fará sentido algum ou, ao menos, não produzirá o efeito desejado. De minha parte, tenho passado os últimos meses de pesquisa descobrindo transversalmente a genialidade do Millôr e constatado cada vez mais o quanto o seu humor faz falta. Salve, querido Millôr! E abaixo aos reais monstros pré-históricos!!

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